sábado, 17 de novembro de 2007

O Terreno

Meu sobrinho chora, não sei de onde. Tem fome, e chora. Assisto passivamente - e distante - à cena. Meu sobrinho chora porque tem fome. Porque quer peito.


Eu não choro, nem quero peito. Mas tenho fome. As muletas me ajudam no caminhar até a cozinha porque, diferentemente do pequeno menino, eu dependo menos da força alheia para conseguir a minha nutrição. Mesmo depois de ouvir as infinitas reclamações de minha mãe sobre o quão irritante é a minha tentativa de independência num momento de debilidade, e o incansável discurso do quão importante é descansar nesse momento, eu consegui aos poucos realizar o que me predispus. Não mais tinha fome. Nem o bebê: Fora alimentado, agora dormia.


A fome é direta, é genuína. E é tão pessoal, intransferível e possui de tal forma que é uma necessidade primária. Concentra todas as atenções de quem a tem nela mesma, e até que seja sanada, é a única coisa que existe. É uma atividade que acompanha o ser humano, das poucas que ele é realmente obrigado exercer. Por ela, meu sobrinho chorou.


E naquele momento do choro, pude não só eu, mas quem estava presente, compreender que aquela era uma situação que definia. Ele precisava comer. E pudemos todos da casa compreender que aquela era uma prioridade, não só porque ele chorava. Mas porque conseguimos adivinhar em nós mesmos o que é ter fome.


Exercer-se. Foi através do seu choro que ele pôde exercer-se.


Amo essa construção. Exercer-se. E no só porque me agrada foneticamente (é imponente, poderia falar até quando não faz sentido).